O recente lançamento de ETFs temáticas com foco explícito em “Made in America”, segurança nacional e reindustrialização estratégica, impulsionado por iniciativas ligadas à Trump Media & Technology Group, sinaliza uma inflexão relevante no mercado financeiro internacional. Trata-se de um movimento que transcende o debate ideológico e se consolida como uma nova tese de investimento, ancorada na convergência entre poder político, política industrial e segurança estratégica.
Os ETFs (Exchange-Traded Funds) são fundos de investimento que são negociados em bolsas de valores, como ações. Eles têm como objetivo replicar o desempenho de um índice específico, como o S&P 500, ou seguir uma estratégia de investimento que pode incluir ações, títulos, commodities ou outros ativos. Os ETFs oferecem aos investidores uma forma de diversificar suas carteiras com custos relativamente baixos, além de permitir a compra e venda durante o horário de negociação da bolsa, oferecendo liquidez e transparência.
Esses fundos não se limitam a capturar desempenho financeiro de empresas isoladas. Eles representam uma narrativa estruturada de soberania econômica, priorizando setores considerados críticos para a resiliência do Estado: defesa, aeroespacial, semicondutores, energia, infraestrutura crítica, cibersegurança e manufatura avançada. O investidor passa a apostar não apenas em balanços corporativos, mas na capacidade do Estado de direcionar recursos, contratos e proteção regulatória a determinados segmentos industriais.
A financeirização da segurança nacional
Historicamente, os complexos industriais de defesa sempre foram sustentados por contratos governamentais de longo prazo. A novidade reside no fato de que, agora, essa lógica é explicitamente empacotada como produto financeiro acessível ao mercado de capitais. ETFs temáticas transformam prioridades estratégicas nacionais em ativos negociáveis, permitindo que fundos de pensão, investidores institucionais e até investidores de varejo participem indiretamente do financiamento da segurança nacional.
Nesse contexto, a segurança deixa de ser apenas um custo orçamentário e passa a ser percebida como classe de ativo, com previsibilidade de receitas, barreiras à entrada e forte correlação com ciclos geopolíticos. Conflitos prolongados, tensões entre grandes potências e políticas de “friend-shoring” ou “reshoring” reforçam essa percepção, aumentando o apelo dessas ETFs em momentos de instabilidade global.
Política, ideologia e risco regulatório
Apesar do potencial de retorno, essas ETFs carregam riscos específicos que merecem análise cuidadosa. Ao atrelar sua identidade a uma visão política explícita, os fundos se tornam sensíveis a mudanças de governo, reorientações regulatórias e disputas institucionais internas. Diferentemente de ETFs setoriais tradicionais, o desempenho desses instrumentos pode ser impactado por decisões eleitorais, mudanças em políticas de compras governamentais e até por sanções cruzadas em disputas comerciais internacionais.
Ainda assim, para muitos investidores, esse risco é compensado pela leitura de que Estados nacionais, especialmente grandes potências, não podem se dar ao luxo de reduzir investimentos em defesa e segurança estratégica. Ao contrário: a tendência estrutural aponta para aumento contínuo de gastos, sofisticação tecnológica e integração entre setor público, indústria e mercado financeiro.
Lições e oportunidades para o Brasil e a BIDS?
Do ponto de vista brasileiro, o movimento traz lições relevantes. A Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS) do Brasil enfrenta desafios históricos de financiamento, previsibilidade de demanda e acesso a capital de longo prazo. A experiência norte-americana sugere que instrumentos financeiros — inclusive ETFs ou fundos estruturados — podem ser utilizados como extensão da política pública, desde que ancorados em uma estratégia clara de soberania, exportação e inovação tecnológica.
A pergunta central que se coloca é direta e provocativa: por que o Brasil ainda financia sua indústria de defesa quase exclusivamente via orçamento público, enquanto outros países transformam segurança nacional em ativo financeiro? A resposta a essa pergunta abre espaço para discussões sobre fundos temáticos nacionais, participação de investidores institucionais, parcerias internacionais e até modelos híbridos envolvendo tokenização de ativos estratégicos — temas já caros ao Ecossistema Financeiro da Indústria de Defesa do Brasil.
Em resumo …
A emergência de ETFs “Made in America” voltadas à defesa e à segurança nacional revela uma tendência mais ampla: o capital passou a reconhecer o poder político como fator estruturante de valor econômico. Para países que desejam fortalecer sua base industrial estratégica, ignorar essa dinâmica significa permanecer dependente, financeiramente frágeis e tecnologicamente vulneráveis.
Para o Brasil, o debate não é se esse modelo é ideológico ou controverso, mas se estamos preparados para transformar nossas prioridades estratégicas em instrumentos financeiros modernos, capazes de sustentar a BIDS no longo prazo e ampliar sua inserção internacional.
Com informações de MarketWatch.com
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