A Força Aérea Portuguesa (FAP) anunciou, em 2 de dezembro de 2025, a aquisição direta de um satélite de radar de abertura sintética (SAR) da empresa finlandesa ICEYE — tornando-se a primeira compra desse tipo realizada diretamente pela FAP. A decisão marca um salto qualitativo para Portugal em termos de independência operacional, vigilância estratégica e capacidade de resposta a crises, uma vez que a tecnologia SAR permite obtenção de imagens de alta resolução sob quaisquer condições meteorológicas, de dia ou de noite. Segundo a fabricante, o acordo inclui controle direto das tarefas de imageamento pela FAP, garantindo soberania sobre o uso, o fluxo e o tratamento dos dados.
Do ponto de vista geopolítico, a aquisição insere Portugal na tendência crescente de países europeus e aliados da OTAN que buscam reforçar sua autonomia em inteligência e sensoriamento remoto. O monitoramento da Zona Econômica Exclusiva portuguesa — uma das maiores da Europa —, a vigilância marítima no Atlântico, o controle de fronteiras e o acompanhamento de infraestruturas críticas tornam-se mais eficazes quando operados a partir de um ativo espacial próprio. Em um contexto marcado por instabilidade geoestratégica, competição por recursos e crescente militarização do espaço, o passo dado por Lisboa consolida uma visão de longo prazo: não basta ter acesso a dados; é preciso deter a capacidade de produzi-los com independência.
A iniciativa portuguesa oferece também um ponto de reflexão para o Brasil. Ambos os países compartilham extensas áreas marítimas, necessidades de patrulha oceânica e preocupação crescente com desastres ambientais, tráfego ilícito e monitoramento de fronteiras. Ademais, existe forte alinhamento político e institucional entre Brasil e Portugal — o que abre espaço para parcerias bilaterais na área espacial, incluindo cooperação em operações de satélites SAR, compartilhamento de dados, centros conjuntos de análise geoespacial e até programas de formação de pessoal. A ICEYE, por sua vez, já atua globalmente em arranjos de constelações “sob demanda”, o que poderia incluir modelos de aquisição espaçada, consórcios regionais ou mesmo cooperação entre forças aéreas lusófonas, caso houvesse interesse político.
No âmbito da Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS), a decisão da FAP sugere oportunidades adicionais. Empresas brasileiras especializadas em análise de imagens, geointeligência, monitoramento ambiental, aplicações de defesa e sistemas autônomos poderiam beneficiar-se de acordos de cooperação tecnológica com parceiros portugueses e finlandeses. Há também espaço para convergência entre programas brasileiros de vigilância — como o SisGAAz, o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE) e iniciativas estaduais de monitoramento — com capacidades SAR derivadas de parcerias internacionais. Num momento em que o Brasil discute mecanismos de financiamento inovadores, inclusive via fundos de investimento e tokenização de ativos espaciais, a experiência portuguesa reforça a relevância de incluir o domínio espacial no planejamento estratégico de defesa.
A compra do satélite pela FAP, portanto, não é apenas um avanço tecnológico: é uma mensagem política clara sobre a centralidade do espaço na segurança contemporânea. Para o Brasil, que possui desafios territoriais e marítimos incomparavelmente maiores, o movimento de Portugal deve servir como referência e estímulo para aprofundar sua própria ambição espacial — seja por meio de aquisição direta, coprodução, parcerias industriais ou modelos de financiamento que permitam acelerar a modernização das capacidades nacionais.
Fonte: European Security & Defense
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