Financiamento da Defesa: O Papel do European Defence Bond Label

A evolução do debate europeu sobre financiamento da defesa ultrapassou a esfera tradicional dos orçamentos públicos e passou a incorporar, com intensidade crescente, mecanismos de mercado capazes de mobilizar capital privado para setores críticos. Nesse contexto, a criação do European Defence Bond Label (EDBL) pela Euronext consolidou um marco inédito: pela primeira vez, o mercado europeu passa a contar com um rótulo voluntário que classifica títulos de dívida cuja finalidade é financiar atividades de defesa e segurança alinhadas às prioridades estratégicas do continente. Embora ainda não constitua um framework normativo unificado no nível da União Europeia, o EDBL funciona como instrumento de transparência, padronização e atração de investidores institucionais, abrindo caminho para o desenvolvimento de um ecossistema financeiro especializado na Base Industrial de Defesa Europeia.

O surgimento do EDBL responde a uma necessidade estrutural. O setor de defesa europeu enfrenta déficits acumulados em capacidades críticas, pressões geopolíticas externas e crescente demanda por autonomia tecnológica e industrial. Projetos ligados a cibersegurança, espaço, drones, sistemas de comando e controle, vigilância, inteligência artificial e infraestrutura dual enfrentam custos elevados e ciclos de maturação longos, dependentes de financiamento previsível. A criação de um rótulo reconhecido pelo mercado permite que emissores — sejam eles Estados, bancos públicos, empresas estratégicas ou consórcios industriais — acessem capital privado com maior clareza sobre critérios de elegibilidade, governança e reporte, fatores essenciais para investidores sensíveis a temas regulatórios, éticos e reputacionais. Ao mesmo tempo, o EDBL reforça a credibilidade da narrativa europeia de que investimentos em defesa não são apenas despesas, mas elementos de soberania econômica e estabilidade regional.

O funcionamento do EDBL baseia-se na lógica de use of proceeds: os recursos captados por bonds rotulados devem ser direcionados a atividades classificadas como elegíveis dentro do escopo da defesa e segurança europeias. Emissão, alocação e monitoramento passam por mecanismos dedicados de governança e supervisão, capazes de assegurar que os recursos sejam aplicados de acordo com o propósito declarado. Esse nível de rigor aumenta a confiança dos investidores e cria ambiente favorável para que o mercado secundário desses títulos ganhe liquidez. A iniciativa europeia, portanto, começa a formar um mosaico de instrumentos convergentes, que fortalecem a mobilização de recursos privados para o setor de defesa.

Países como Luxemburgo já deram um passo adicional ao instituir o seu próprio Defence Bond Framework nacional, com categorias claras de elegibilidade, comitê gestor especializado, regras de auditoria e relatórios de alocação.

Um novo paradigma para o Brasil ?

O Brasil, ao observar essa transformação, encontra oportunidades relevantes. Assim como a Europa, o país enfrenta demandas crescentes por investimentos em infraestrutura de defesa, renovação de capacidades, digitalização, satélites, ciberdefesa, projetos de inovação, pesquisa dual e fortalecimento da BIDS. Ao contrário da Europa, contudo, o Brasil ainda não dispõe de um mecanismo de mercado que permita ao investidor identificar, com clareza e segurança, títulos de dívida destinados especificamente a projetos de defesa.

Nesse sentido, a criação de um “Brazilian Defence Bond Label” (BDBL) — ou rótulo equivalente — poderia representar um salto qualitativo na capacidade nacional de mobilizar poupança interna e externa, criando um ambiente padronizado, transparente e compatível com as melhores práticas internacionais.

A implementação de um modelo brasileiro exigiria o desenho de um framework regulatório mínimo, respeitando as particularidades jurídico-institucionais de nosso país. Esse arranjo poderia incluir a definição de categorias elegíveis (pesquisa estratégica, sistemas de comando e controle, PRODE, PED, espacial, cibernética, complexos industriais de defesa, infraestrutura dual e projetos de autonomia tecnológica), a criação de mecanismos de supervisão e auditoria, e um processo robusto de reporte aos investidores. A governança do rótulo poderia ser atribuída a uma entidade independente, com participação do Ministério da Defesa, do Ministério da Fazenda, da CVM, da ABDI e de instituições financeiras especializadas como o BNDES, a Finep e agentes financeiros dedicados ao setor.

A adoção de um rótulo voluntário brasileiro traria efeitos importantes. Ao padronizar as emissões, aumentaria a confiança dos investidores e reduziria o risco de percepção negativa, tradicionalmente sensível em setores de defesa. Ao criar um pipeline claro de projetos elegíveis, auxiliaria empresas da BIDS na preparação de operações financeiras estruturadas. Ao aproximar o Brasil de práticas europeias, facilitaria cooperação com bancos públicos estrangeiros, fundos soberanos e agências de crédito à exportação, que buscam padrões reconhecíveis de conformidade e reporte. E, acima de tudo, abriria espaço para que o país explorasse com mais maturidade instrumentos de mercado capazes de complementar o orçamento público, elemento decisivo para que a indústria de defesa brasileira alcance escala, previsibilidade e competitividade global.

Em resumo …

A experiência europeia revela que o financiamento da defesa está passando por profunda transformação, deixando de se apoiar exclusivamente em recursos governamentais e incorporando, de forma crescente, mecanismos sofisticados do mercado de capitais. O Brasil tem, diante de si, a oportunidade histórica de construir o seu próprio caminho, com um rótulo nacional de bonds de defesa que una governança moderna, transparência e capacidade de mobilizar capital privado para setores estratégicos. Ao adotar uma arquitetura inspirada no EDBL, o país não apenas se alinha às melhores práticas internacionais, mas abre espaço para que a BIDS brasileira se torne mais resiliente, integrada e competitiva — condição essencial para uma política de defesa verdadeiramente sustentável no século XXI.


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