A assinatura do acordo de resseguro entre a UK Export Finance (UKEF) e a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), anunciada pelo governo britânico às vésperas da COP30, representa muito mais do que um aperfeiçoamento técnico nos instrumentos de financiamento à exportação. Trata-se de um marco diplomático-econômico que reposiciona a relação bilateral entre Brasil e Reino Unido no campo da sustentabilidade, da integração industrial e do financiamento internacional. O comunicado oficial sublinha que exportações brasileiras que incluam conteúdo britânico poderão receber garantias respaldadas pela UKEF, sinalizando um movimento de aproximação que deve interessar de maneira direta a empresas brasileiras inseridas em setores estratégicos, especialmente aquelas da Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS).
O contexto do anúncio também reforça sua dimensão simbólica e estratégica. O governo britânico divulgou, simultaneamente, sua meta de destinar £10 bilhões para projetos de “clean growth” até 2029 e apresentou o mais recente relatório da Net Zero Export Credit Alliance (NZECA), que mapeia US$ 338 bilhões em apoio à exportação alinhado a trajetórias de descarbonização até 2050. Tal enquadramento coloca o Brasil no epicentro de uma agenda internacional em que segurança econômica, infraestrutura crítica, transição energética e diplomacia climática convergem — e na qual a UKEF se posiciona como um ator central de financiamento soberano, inclusive para mercados emergentes.
O acordo UKEF–ABGF inaugura uma modalidade inovadora de resseguro para a agência brasileira, e sua importância reside, sobretudo, na estrutura trilateral que possibilita: Brasil, Reino Unido e mercados internacionais passam a operar sob um formato de mitigação conjunta de risco, facilitando crédito para exportações com participação tecnológica britânica. Em termos práticos, isso pode significar custos financeiros menores, prazos mais competitivos e maior disposição do mercado internacional em assumir riscos associados a projetos híbridos, civis ou de defesa, com conteúdo tecnológico significativo.
Para a BIDS, esse movimento é altamente relevante. O setor, que já vem migrando paulatinamente para soluções dual-use e tecnologias de fronteira, encontra agora um canal de financiamento alinhado à transição energética e à sustentabilidade — dois vetores que vêm sendo cada vez mais exigidos em compras governamentais, exportações de produtos estratégicos e certificações internacionais. Ao mesmo tempo, abre-se um espaço de cooperação tecnológica que pode fortalecer a posição das empresas brasileiras em cadeias de suprimento globais, em especial aquelas voltadas para sistemas de vigilância, comunicações seguras, energia para instalações críticas, satélites, sensores estratégicos e tecnologias autônomas.
O primeiro ponto de impacto para a BIDS é a possibilidade de desenvolver parcerias formais com empresas britânicas para enquadramento como “british content”. Esse alinhamento não exige, necessariamente, perda de autonomia tecnológica brasileira: pode significar desde integração de componentes britânicos até joint ventures bilaterais, codesenvolvimento ou intercâmbio de tecnologias que sejam mutuamente vantajosas. A vantagem é que, ao compor esse conteúdo, o produto ou serviço brasileiro ganha acesso a garantias financiadas pela UKEF, ampliando sua competitividade internacional em mercados que exigem maior robustez financeira e compromisso de longo prazo.
Um segundo impacto reside no próprio conceito de sustentabilidade aplicado ao financiamento. O comunicado britânico deixa claro que o financiamento futuro priorizará projetos que contribuam para crescimento limpo, infraestrutura resiliente e transição energética. Para a BIDS, isso abre um espaço que poucas vezes foi explorado com clareza: a integração entre defesa, energia e meio ambiente como diferencial estratégico. Bases militares autônomas em energia renovável, micro-redes híbridas para instalações remotas, satélites destinados ao monitoramento climático e sistemas de segurança que reduzam emissões ou aumentem eficiência podem tornar-se exportações brasileiras elegíveis a instrumentos de financiamento internacional com aval britânico. Essa mudança de paradigma exige, porém, que a BIDS avance em governança, certificações ESG e capacidade de reporte de impacto — elementos que ainda não estão plenamente consolidados no setor, mas que serão inevitáveis em um mercado global mais atento a critérios de sustentabilidade.
Um terceiro impacto é institucional. O Brasil passa a dispor de uma plataforma que pode aproximar sua própria estrutura de financiamento à exportação dos modelos europeus, tradicionalmente mais integrados a políticas industriais e tecnológicas. Para que isso ocorra, será necessário que órgãos brasileiros — como ABGF, ApexBrasil, ABDI, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Defesa — estabeleçam um canal técnico e permanente com as contrapartes britânicas para compreender as regras de elegibilidade e participar da construção de portfólios conjuntas. Da mesma forma, associações empresariais da BIDS podem desempenhar um papel coordenador no mapeamento de empresas interessadas em parcerias com o Reino Unido e na identificação de projetos elegíveis ao acordo.
O acordo UKEF–ABGF deve, portanto, ser interpretado como uma ferramenta estratégica que abre três grandes frentes para a indústria brasileira de defesa e segurança: integração tecnológica internacional, acesso aprimorado a financiamento e reposicionamento competitivo em setores de energia, infraestrutura e tecnologias dual-use. Não se trata apenas de mais uma janela financeira, mas de um instrumento de reposicionamento geopolítico e econômico no qual a BIDS pode assumir protagonismo, desde que esteja preparada para adotar práticas robustas de governança, relatórios de impacto e inovação orientada a requisitos internacionais.
As empresas brasileiras da BIDS que desejam aproveitar esse cenário deverão buscar parcerias com empresas britânicas qualificadas, fortalecer suas capacidades de reporte e sustentabilidade, adaptar seus projetos para modelos híbridos — defesa, energia, infraestrutura e tecnologia — e incorporar mecanismos de conformidade internacional. Com isso, poderão posicionar-se como fornecedoras de soluções complexas e sustentáveis para mercados que demandam não apenas equipamentos militares tradicionais, mas sistemas completos de resiliência estratégica.
Em síntese, o acordo UKEF–ABGF é um sinal importante de que o financiamento à exportação está entrando em uma nova fase, na qual defesa, tecnologia e sustentabilidade se entrelaçam de maneira irreversível. O Brasil e sua BIDS dispõem agora de uma janela concreta para elevar seu grau de internacionalização, associar-se a cadeias de valor tecnologicamente avançadas e reforçar sua presença global. O desafio — e a oportunidade — consistem em compreender que o setor de defesa contemporâneo não compete apenas por capacidade militar, mas por capacidade de integração. E nesse novo tabuleiro, instrumentos como o acordo UKEF–ABGF podem ser decisivos para impulsionar a inserção global do setor brasileiro de defesa, segurança e infraestrutura estratégica.

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