Em 13 de novembro de 2025, a Reuters publicou a matéria “Norway wealth fund may invest in top defence firms after 21-year ban”, noticiando algo que há poucos anos pareceria improvável: o Government Pension Fund Global (GPFG) da Noruega, com mais de US$ 2,1 trilhões sob gestão, pode voltar a investir em empresas de defesa após 21 anos de restrições éticas.
A revisão das guidelines do fundo, conforme relatado, coloca 14 grandes fabricantes de armamentos — incluindo Lockheed Martin, BAE Systems e Northrop Grumman — dentro de um possível universo de investimento. Trata-se de uma mudança que ultrapassa a fronteira da gestão financeira: é, antes de tudo, um sinal do realinhamento global do pensamento estratégico no Ocidente.
A reconfiguração ética: quando os princípios colidem com a realidade
O caso norueguês é emblemático porque expõe uma tensão crescente entre políticas de investimento ético e a nova fase de insegurança estratégica internacional. A guerra na Ucrânia, a competição entre grandes potências e o retorno da lógica de dissuasão fizeram com que muitos países europeus percebessem que a defesa deixou de ser um assunto distante — e voltou a ser prioridade de Estado.
A Noruega, afinal, é compradora de caças F-35, submarinos, radares e fragatas produzidas pelas mesmas empresas que o fundo estava proibido de financiar. A incoerência tornou-se evidente. Como afirmou o Ministério das Finanças norueguês, relator da revisão: “Não podemos continuar comprando dessas empresas e fingir que não participamos da sua cadeia de valor.”
Em outras palavras: o tabu ético não resistiu ao teste da geopolítica.
O impacto financeiro: capital institucional retorna ao setor de defesa
Se a revisão for aprovada, o GPFG poderá se tornar não apenas um investidor marginal, mas um ator central na recomposição do ecossistema global de defesa. Com um portfólio que tradicionalmente influencia mercados, índices ESG e decisões de outros fundos soberanos, sua entrada nesse mercado, se concretizada, trará impactos significativos, entre os quais podemos destacar:
– ampliar a liquidez das maiores empresas de defesa;
– reduzir o estigma que ainda afasta grandes investidores do setor;
– abrir espaço para maior inovação, já que capital institucional tende a incentivar governança e P&D;
– estimular outros fundos soberanos ou fundos de pensão a revisarem suas próprias políticas éticas.
O sinal simbólico importa tanto quanto o capital financeiro: ao admitir que investimentos em defesa podem ser compatíveis com responsabilidade, governança e sustentabilidade, a Noruega inaugura uma discussão global sobre o lugar da segurança nacional dentro da agenda ESG — tema que certamente ganhará corpo nos próximos anos.
Implicações estratégicas: um mundo mais armado, mais digital e mais dependente de tecnologia
A decisão norueguesa não ocorre no vazio. Ela se insere num contexto geopolítico global agitado e que não mostra nenhum sinal de real arrefecimento. Ao contrário, as evidências que temos apontam para uma dura realidade:
– os gastos militares globais ultrapassaram US$ 2,4 trilhões;
– a OTAN pressiona seus países-membros a chegar, no mínimo, a 2% de seus PIB;
– sistemas de IA militar, sensores inteligentes e plataformas autônomas se tornam novos pilares de poder;
– empresas de tecnologia passam a competir diretamente com tradicionais fabricantes de defesa, tornando-se cada vez mais relevantes nos novos cenários de conflitos.
E é nesse ambiente agitado e volátil que o GPFG norueguês busca reavaliar seu papel. Mais do que investir em tanques, mísseis ou caças, trata-se de reconhecer que defesa é cada vez mais um setor tecnológico, de fronteira, conectado à economia digital. O que está em jogo é a capacidade de sustentar cadeias de suprimento críticas, inovação soberana e autonomia estratégica.
E o Brasil?
Para o Brasil — país que busca modernizar sua Base Industrial de Defesa e Segurança — essa mudança deve ser lida com atenção redobrada. Afinal, representa uma guinada com repercussões em nível global e, claro, com um nova onda de oportunidades que podem (e talvez devam) ser aproveitadas. Nesse sentido, alguns reflexos podem ser antecipados, como:
- o capital global regressa ao setor de defesa, e quem estiver preparado captará recursos;
- países que estruturarem fundos setoriais, veículos de investimento e programas de inovação terão vantagem competitiva;
- empresas brasileiras com governança sólida, transparência e capacidade de exportação poderão se tornar alvos de investimento institucional internacional;
- é necessário superar o tabu interno em relação ao financiamento de defesa — tema muitas vezes politizado, mas que está se tornando mainstream entre países desenvolvidos.
Mais do que isso: a guinada norueguesa coloca em evidência um ponto essencial para o debate brasileiro — não existe desenvolvimento tecnológico avançado sem uma política séria de defesa. E não existe política sólida de defesa sem financiamento estável.
O fim de um tabu e o início de uma nova fase?
A eventual entrada do fundo soberano da Noruega no mercado global de defesa não é apenas o fim de uma proibição histórica. É um marco simbólico da normalização do setor de defesa como classe legítima de investimento, alinhada à segurança nacional, à inovação tecnológica e às transformações do ambiente estratégico.
Para o Brasil — e para a BIDS — é um sinal claro de que o tabuleiro está mudando rapidamente. Estar fora desse movimento significa perder espaço, competitividade e relevância.
O mundo parece ter entendido isso. Resta saber se nós também entenderemos — e se teremos coragem de agir a tempo.

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