No início de setembro de 2025, a Austrália anunciou oficialmente a aquisição de uma frota de submarinos não tripulados do tipo extra-large autonomous underwater vehicles (XL-AUV), conhecidos como “Ghost Shark”. A decisão, divulgada em veículos como The Australian, The Guardian, ABC News e Defense News, representa um marco na estratégia australiana de modernização naval e reforça o movimento global de incorporação de sistemas autônomos no domínio marítimo. Trata-se de um projeto conduzido pela Anduril Australia, em parceria estreita com a Marinha Real Australiana (Royal Australian Navy) e com a agência de ciência e tecnologia de defesa do país (DSTG).
O “Ghost Shark” é classificado como um veículo submarino autônomo de grande porte, projetado para operar em profundidades elevadas e com autonomia prolongada. Sua função primária envolve missões de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR), mas fontes apontam também para o desenvolvimento de capacidades ofensivas, possivelmente incluindo o transporte de armamentos. Embora os detalhes técnicos permaneçam classificados, já se sabe que a plataforma contará com furtividade acústica e de comunicações, além de elevada capacidade de permanência submersa sem necessidade de emergir para reabastecimento ou comunicação frequente.
O investimento no programa é significativo. O governo australiano anunciou aportes da ordem de A$1,7 bilhão (cerca de US$ 1,1 bilhão) ao longo de cinco anos, destinados à construção de “dezenas” de unidades, embora o número exato não tenha sido divulgado. Segundo a ABC News, as primeiras unidades poderão entrar em serviço já no início de 2026, o que demonstra o caráter acelerado do cronograma de produção. O programa será inteiramente conduzido em solo australiano, com fábricas dedicadas à produção de XL-AUVs, reforçando o objetivo estratégico de desenvolver capacidades soberanas no setor de defesa.
O Ghost Shark surge em um momento de grandes transformações na política de defesa australiana. Em paralelo ao projeto, o país avança com o AUKUS, parceria estratégica com Estados Unidos e Reino Unido para a aquisição de submarinos nucleares. Contudo, a entrada em operação plena dessas plataformas nucleares só ocorrerá na próxima década, deixando um vácuo operacional. O novo drone submarino se apresenta, portanto, como uma alternativa de baixo custo relativo, rápida implementação e elevada flexibilidade, capaz de oferecer dissuasão e presença no vasto território marítimo australiano durante o período de transição.
Apesar do entusiasmo, o projeto levanta dúvidas. Até o momento, não foram confirmados os detalhes sobre o grau de autonomia dos Ghost Sharks, nem sobre as regras de engajamento que definirão o uso de força letal. A discussão ética sobre armas autônomas letais ainda divide a comunidade internacional, e a ausência de transparência quanto ao armamento embarcado gera especulações. A imprensa australiana destacou que a Anduril tem histórico de trabalhar com inteligência artificial aplicada à defesa, o que indica que o Ghost Shark poderá incorporar algoritmos avançados de navegação, decisão e até engajamento, sob algum grau de supervisão humana.
Do ponto de vista estratégico, a adoção do Ghost Shark oferece à Austrália ganhos expressivos. Em primeiro lugar, reduz-se a dependência de submarinos tripulados para missões de alto risco, permitindo que meios não tripulados assumam funções em áreas hostis, como operações em mares contestados ou regiões minadas. Em segundo lugar, fortalece-se a vigilância do entorno marítimo australiano, particularmente nas proximidades do Mar do Sul da China, onde a presença chinesa gera crescente preocupação em Camberra. Em terceiro lugar, a aquisição sinaliza ao mundo que a Austrália está disposta a liderar a integração de sistemas autônomos de grande porte no domínio naval, o que pode desencadear uma corrida tecnológica entre potências da região.
Há ainda implicações de custo-benefício. Enquanto um submarino nuclear demanda investimentos bilionários e décadas de construção, cada Ghost Shark terá custo unitário substancialmente menor e poderá ser produzido em escala relativamente rápida. Essa equação favorece a chamada “dissuasão distribuída”, conceito em que a multiplicidade de plataformas menores e autônomas aumenta a resiliência estratégica de uma marinha diante de ameaças superiores. Dessa forma, a Austrália mitiga a vulnerabilidade de depender exclusivamente de plataformas caras e limitadas em número, ao mesmo tempo em que amplia sua capacidade de cobertura e resposta.
No entanto, há riscos evidentes. A ausência de confirmação sobre as capacidades ofensivas abre espaço para questionamentos quanto à eficácia real do Ghost Shark como instrumento de dissuasão. Além disso, a adoção de sistemas autônomos levanta preocupações éticas e legais quanto ao controle humano em decisões de vida ou morte, especialmente em cenários de conflito de alta intensidade. A falta de transparência em relação a dados técnicos, como profundidade máxima, autonomia exata e carga útil, reforça a percepção de que o projeto ainda está em fase de amadurecimento tecnológico.
Ainda assim, o lançamento do Ghost Shark marca um ponto de inflexão no setor naval. Ao priorizar a produção local e integrar empresas privadas inovadoras ao esforço de defesa, a Austrália aponta para um modelo híbrido de modernização militar, em que soberania industrial, inovação tecnológica e estratégia geopolítica se entrelaçam. É provável que o programa seja acompanhado de perto não apenas por aliados, como Estados Unidos e Reino Unido, mas também por rivais estratégicos, como a China, que certamente buscarão avaliar e desenvolver contramedidas a essas novas plataformas.
Em resumo …
Conclui-se que os submarinos não tripulados Ghost Shark simbolizam tanto uma resposta imediata a lacunas estratégicas quanto um investimento no futuro da guerra naval. Eles condensam a convergência de três tendências globais: a digitalização das forças armadas, a autonomia aplicada ao combate e a crescente interdependência entre defesa nacional e inovação privada. Para a Austrália, representam uma aposta ousada de que a guerra do futuro não será apenas travada por submarinos nucleares tripulados, mas também por enxames de máquinas inteligentes capazes de operar no mais silencioso e inóspito dos ambientes: o fundo do mar.
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