O anúncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgado pela agência Reuters em 6 de agosto de 2025, marca uma mudança significativa na forma como o Brasil pretende gerir seus recursos minerais críticos. A nova diretriz estabelece que insumos como terras raras, lítio, nióbio, grafite e outros minerais essenciais para a indústria de alta tecnologia e defesa serão tratados como ativos de soberania nacional, com restrições à exportação de matéria-prima bruta e incentivo à agregação de valor no território nacional. O plano prevê a criação de um Conselho Nacional de Minerais Estratégicos, responsável por mapear reservas, regular a exploração e estabelecer políticas de comercialização, garantindo que a exploração desses recursos esteja alinhada com interesses estratégicos de longo prazo.
O movimento brasileiro ecoa estratégias adotadas por países como Austrália e Canadá, que estabeleceram controles rigorosos sobre a exploração e a exportação de minerais críticos, exigindo contrapartidas industriais, transferência de tecnologia e participação nacional em empreendimentos estrangeiros. A motivação por trás dessa postura vai além do aspecto econômico: trata-se de uma questão de segurança nacional. No contexto global, as cadeias de suprimento de minerais estratégicos tornaram-se campo de disputa geopolítica, especialmente diante do monopólio chinês sobre parte significativa da produção e processamento de terras raras. Ao reposicionar-se nesse tabuleiro, o Brasil busca não apenas proteger seu patrimônio mineral, mas também ampliar seu peso político e sua capacidade de negociar em arenas internacionais.
No setor de defesa, as implicações dessa política são diretas e profundas. Sistemas de mísseis, radares, equipamentos de comunicação criptografada, satélites, blindagens e ligas metálicas avançadas dependem de minerais críticos em sua composição. Sem domínio sobre a cadeia de suprimento desses insumos, qualquer projeto nacional de modernização militar fica vulnerável a pressões externas. Ao priorizar a industrialização interna, o Brasil fortalece sua autonomia tecnológica e reduz riscos de interrupção no fornecimento de componentes vitais. Além disso, a integração entre mineração estratégica e a Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS) pode gerar novos polos de desenvolvimento, atraindo empresas estrangeiras dispostas a produzir no Brasil e garantindo que parte dessa produção seja voltada para suprir demandas das Forças Armadas e de países parceiros.
Do ponto de vista econômico-financeiro, essa política abre espaço para mecanismos inovadores de captação e investimento. Fundos de investimento setoriais voltados à mineração estratégica, articulados com a indústria de defesa, podem atrair recursos de fundos soberanos e bancos de desenvolvimento de nações aliadas. A tokenização de ativos minerais — com emissão de títulos digitais lastreados em produção futura — representa outra via para financiar projetos sem que o país abra mão do controle sobre suas jazidas. Tais instrumentos poderiam ser geridos de forma integrada a uma política industrial e tecnológica, direcionando recursos para parques fabris, centros de pesquisa e linhas de produção de componentes críticos.
Posição brasileira no mercado
Nesse contexto, os dados geológicos e de mercado reforçam a dimensão estratégica dessa iniciativa. O Brasil detém a maior reserva mundial de nióbio, com aproximadamente 98 % das reservas conhecidas (Reuters). Além disso, ocupa posição de destaque entre os principais detentores de importantes recursos: segundo maior em reservas de grafite, terceiro em reservas de elementos de terras raras, e quinto produtor global de lítio (Brasil Mineral).
Especificamente sobre o lítio, o Brasil é visto como uma das sete maiores reservas do mundo, com um estoque estimado entre 1,3 milhão de toneladas (USGS) e 1,37 milhão de toneladas conforme dados nacionais (CPG Click Petroleo e Gas). A região conhecida como “Lithium Valley”, em Minas Gerais, concentra a maioria dessas reservas. Projetos em andamento, como o da Sigma Lithium, estimam reservas de aproximadamente 8,12 milhões de toneladas contendo Li₂O, com produção anual estimada em 1,45 milhão de toneladas de minério bruto e vida útil de oito anos (Reuters).
A produção de carbonato e hidróxido de lítio no Brasil está projetada em 57.500 toneladas em 2025, com taxa de crescimento anual composta (CAGR) de cerca de 6 % entre 2025 e 2035 (Fastmarkets). Além disso, estimativas apontam que o país possui reservas de terras raras da ordem de 21 milhões de toneladas, equivalentes a mais de 20 % das reservas globais e segundo maior volume do mundo (S&P Global).
O apelo geopolítico desses ativos é fortalecido por movimentos como o apoio da Minerals Security Partnership liderada pelos EUA e UE à Serra Verde, projeto de terras raras em Goiás com financiamento privado de cerca de US$ 150 milhões (Financial Times). Paralelamente, a empresa canadense Aclara Resources está estruturando um projeto no Brasil para abastecer uma fábrica de ímãs financiada pelo Pentágono nos EUA — o que ilustra a importância das reservas brasileiras na construção de cadeias de valor alternativas às dominadas pela China (Wall Street Journal).
Essa combinação única de reservas abundantes, energia renovável, incentivos governamentais e crescente atração de investimentos internacionais cria um cenário inédito para o Brasil transformar-se em um polo global de industrialização de minerais estratégicos. No arco da Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS), essa capacidade é ainda mais vital: garantir o fornecimento interno de insumos para sistemas de radar, comunicações, mísseis, satélites e blindagens representa a base de uma política sustentável de segurança nacional e de inserção global.
Desafios à frente
A adoção dessa política de soberania para minerais estratégicos não está isenta de desafios. O Brasil precisará criar um arcabouço regulatório que seja robusto o suficiente para impedir práticas predatórias, mas flexível o bastante para atrair investimentos externos de qualidade. Também será necessário equilibrar interesses ambientais, sociais e econômicos, garantindo que a exploração desses recursos não comprometa ecossistemas sensíveis ou comunidades locais. Por outro lado, se conduzida com visão estratégica e capacidade de coordenação interministerial, a iniciativa pode consolidar o país como um dos grandes centros mundiais de processamento e industrialização de minerais críticos, fortalecendo tanto a economia quanto a segurança nacional.
Em resumo…
Em síntese, a política anunciada pelo atual governo pode, em tese, ser um divisor de águas. Ao tratar minerais estratégicos como questão de soberania, o Brasil se alinha às potências que entenderam que o controle desses insumos é tão importante quanto o controle de energia ou alimentos. Para a BIDS, abre-se uma oportunidade singular de associar a exploração mineral à expansão da base tecnológica e industrial, garantindo que cada grama de recurso extraído contribua não apenas para o PIB, mas para a construção de um sistema de defesa mais autônomo, moderno e competitivo no cenário internacional.
Descubra mais sobre InvestDefesa.org
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
