Em meio à crescente instabilidade geopolítica global, especialmente com o prolongamento da guerra na Ucrânia e o aumento das tensões no Indo-Pacífico, a Europa decidiu fortalecer de forma estruturada sua Base Industrial de Defesa. Recentemente, o Banco Europeu de Investimento (EIB) anunciou uma medida emblemática: a ampliação do financiamento destinado a empresas do setor de defesa de €1 bilhão para €3 bilhões. Essa decisão não apenas eleva a capacidade financeira da indústria europeia, mas também inaugura um modelo de financiamento sofisticado, alinhado aos objetivos estratégicos da União Europeia para a sua autonomia em defesa.
O modelo EIB-Deutsche Bank: financiamento indireto com responsabilidade estratégica
O EIB é conhecido como o braço financeiro da União Europeia, com atuação tradicional em áreas como infraestrutura, inovação e sustentabilidade. Contudo, até 2022, o banco mantinha uma política restritiva em relação ao financiamento do setor de defesa. A reconfiguração desse papel foi catalisada pela percepção de que a defesa, assim como a transição energética, representa hoje um bem público europeu.
Sob essa nova ótica, o EIB criou uma modalidade de financiamento indireto para a cadeia de defesa. O banco não financia diretamente a produção de armamentos ou sistemas letais, mas disponibiliza recursos a bancos comerciais que, por sua vez, repassam crédito a pequenas e médias empresas (PMEs) e empresas de médio porte (mid-caps) que integram a cadeia de suprimentos da indústria de defesa.
A parceria inaugural foi firmada com o Deutsche Bank, que recebeu um aporte de €500 milhões do EIB. Este montante permitirá ao banco alemão oferecer até €1 bilhão em financiamentos a empresas elegíveis em toda a União Europeia, com foco em capital de giro, investimento em inovação e aumento de capacidade produtiva. O escopo inclui empresas envolvidas em tecnologias dual use (de uso civil e militar), componentes críticos, inteligência artificial, cibersegurança e sensores avançados.
Essa estratégia atende tanto à necessidade de fortalecer a base industrial quanto à diretriz política de não financiar diretamente a produção de armamentos ofensivos, mantendo alinhamento com os princípios éticos e legais do bloco europeu.
Benefícios concretos para a cadeia de defesa europeia
A decisão do EIB de triplicar os recursos para o setor tem impactos significativos e multifacetados:
Em primeiro lugar, cria-se uma alternativa de financiamento mais acessível para PMEs que, tradicionalmente, enfrentam dificuldades para captar recursos em condições competitivas. Esse acesso facilitado é crucial para que essas empresas consigam inovar e atender à crescente demanda por soluções tecnológicas de defesa, especialmente em um cenário de rearmamento europeu.
Em segundo lugar, o modelo reforça o desenvolvimento de uma cadeia de suprimentos mais resiliente e menos dependente de fornecedores externos — especialmente dos Estados Unidos e da Ásia. Isso se torna estratégico diante dos desafios impostos por cadeias globais fragilizadas, como evidenciado durante a pandemia e, mais recentemente, pelas sanções comerciais decorrentes de conflitos internacionais.
Em terceiro lugar, o envolvimento de bancos comerciais como o Deutsche Bank amplia a capilaridade da política de financiamento, permitindo que o crédito chegue de maneira eficiente a diferentes regiões e setores da indústria. O banco já declarou que seu objetivo é apoiar clientes em diversas jurisdições europeias, alinhando-se à meta de fortalecer a autonomia estratégica da Europa.
Comparativo internacional e lições para o Brasil
Esse movimento europeu não ocorre isoladamente. No Reino Unido, por exemplo, discute-se a criação de um “banco de rearme”, focado em prover financiamento específico para a expansão da capacidade industrial militar britânica. Além disso, países como França e Itália possuem bancos públicos de desenvolvimento que já atuam de forma direta no financiamento à indústria de defesa.
Para o Brasil, este modelo europeu oferece lições valiosas. A Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS) brasileira ainda carece de linhas de crédito robustas e específicas, tanto públicas quanto privadas. A criação de um modelo inspirado no EIB, operando por meio de agentes financeiros capacitados — como o BNDES, Finep ou bancos comerciais — poderia representar um divisor de águas para o setor nacional, especialmente no apoio às PMEs, que são fundamentais para a inovação e o desenvolvimento de tecnologias críticas.
Além disso, essa estratégia seria uma forma eficiente de compatibilizar as exigências éticas e legais com a necessidade de financiamento ao setor, especialmente se as linhas forem destinadas ao desenvolvimento de tecnologias dual use ou produtos estratégicos de defesa (PED), previstos na política brasileira de defesa.
Perspectivas futuras
O EIB já anunciou que essa linha de €3 bilhões é apenas o começo. A expectativa é que o limite total de financiamento do banco para projetos de defesa e segurança seja elevado para €100 bilhões nos próximos anos, como parte de uma estratégia mais ampla da União Europeia de se preparar para os desafios de segurança até 2030, dentro da iniciativa “Readiness 2030”.
Isso sinaliza não apenas um aumento na escala de investimentos, mas também uma mudança definitiva no papel do financiamento público europeu em setores historicamente sensíveis como a defesa. O envolvimento de bancos comerciais reforça o caráter sustentável e de longo prazo dessa política, promovendo um ecossistema financeiro mais robusto e alinhado aos interesses estratégicos do bloco.
Fontes:
- EIB Triplica financiamento para PMEs de Defesa – Deutsche Bank Partnership
- Reuters – EU lift EIB lending limit to 100 billion euros in defence push
- Defence Industry Europe – EIB triples funding to €3 billion for defence industry SMEs
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